Me sinto como se estivesse numa farmácia e tendo que escolher, entre centenas de remédios. Qual o melhor remédio para “curar” o sofrimento do meu povo, para terminar com esse martírio que definha os corpos e as mentes dos que sofrem com a injustiça e com a tirania? Marquei reunião logo cedo com os meus oficiais, meu Estado-Maior, meus comandantes de todos os quartéis da minha Brigada. Não dormi, só pensei, refleti. Daqui a pouco o “jeep” vem me buscar. Meu fiel cabo motorista dirige. Me vem à memória tantas coisas, tantos acontecimentos da minha vida. Minha avó me acordando para ir à escola. O tempo dela era o sol, não as horas exatas. Talvez, um dos maiores ensinamentos dela. As horas exatas torturam. Uma vez, num exercício da Academia Militar, formávamos um pelotão que caminhava num campo com árvores esparsas e muito capim. Fomos descansar embaixo de uma árvore baixa e frondosa. De repente, alguém tocou um galho e um enxame de abelhas nos atacou. Eram muito ferozes, Cada um correu para um lado. Um correu quase dez metros e caiu num poço abandonado. Ele não viu o poço por causa das moitas de capim. Quando o encontramos já estava morto, com o pescoço quebrado. Poderia ter sido eu. Me vem à mente “Tiradentes”, “Caxias”. Heróis, seus malditos! Seus Benditos! Talvez não retorne para casa tão cedo. Talvez, até, não volte mais para a minha família. Como pode alguém “abrir mão” de tudo para tentar salvar tudo? Salvar? Quem, realmente, se importou com o sacrifício de Tiradentes? Eu me importei! Me importaria se vivesse na época dele? Entro no “jeep”. Pelas ruas avisto o seu “Joaquim” da padaria, o Élcio da banca de jornais. Será que tudo isso interessa a eles? “Gauchada da fronteira”! Meus irmãos! Na capital, o “mundo” fervilha. Prendem, prendem e prendem. De todas as formas, com ou sem cadeia. Os “valentes” se calaram e não são mais valentes. O “último baile” sempre será o penúltimo da corte ávida pelo poder e pelo dinheiro. Tenho nas mãos o poder de começar outra “travessia do Itororó”. Foi ali que Caxias iniciou, verdadeiramente, a sua vitória contra os inimigos. Mas, será que “Osórios” virão me ajudar? Ah, as certezas! Quisera ter certezas! Os exercícios militares, as manobras, sempre acabam bem, com a vitória dos “azuis” sobre os “vermelhos”. E agora? O “jeep” para no Posto da Guarda do Comando da Brigada. A guarda se perfila, oponente, e presta a continência ao seu comandante. Tudo isso vale para quê? Lá fora o “couro come”! Se nada fizer, amanhã a guarda me prestará continência outra vez. Minhas honras militares. E o meu soldo continuará “caindo na minha conta”. E os meus brios? Tenho todas as razões e motivos para fazer o que penso fazer. Os “tenentes” dos “18 do Forte” fariam o quê, agora? Se pudesse voltaria a ser “tenente”. Meu sangue não ferve mais daquele jeito. A pressão alta impede extremos. Qual o remédio que escolho nessa farmácia? Será para curar o meu país ou para aliviar a minha pressão? Estou a dois passos da sala de reunião. Já escuto as vozes dos meus comandantes de Unidades, do meu Estado-Maior. No corredor longo, só ouço o som da batida dos meus calcanhares no piso duro e sinto no peito o coração acelerado. Talvez, um “infarto” me salve. Irão ler a carta no meu bolso que escrevi à minha esposa e me enterrarão com honras militares: um “quase” herói. Sento-me à mesa após um rápido “bom-dia”. Os coronéis me olham, curiosos. Por me conhecer, talvez, até pensem em algo revolucionário, um discurso pujante. Eles confiam plenamente em mim e tenho consciência da liderança que exerço. Talvez um, somente um, eu tenha que mandar substituir no comando do seu quartel. Sempre há um. A tropa está pronta. Mandei fazer o “apronto operacional”. Muitas centenas de militares, desde soldados, cabos, sargentos e oficiais estão agora nos quartéis. As viaturas com os tanques abastecidos. Muita munição nos “cunhetes”. Armas de todo tipo, limpas e prontas para o uso. Os “rancheiros” com o cardápio do almoço na “cabeça”. Na sala, todos os meus oficiais me observam, curiosos, ansiosos. Levanto a xícara de café quentinho e sorvo o líquido maravilhoso. Eles notam a xícara balançar quando a levo aos lábios. Enfim. “Bem, senhores comandantes e oficiais do meu Estado-Maior. Podem encerrar o “apronto operacional” nas suas Unidades. A Brigada retorna às suas atividades normais. Peço ao Chefe-do-Estado-Maior que aproveite o momento e planeje nossa festa junina da Brigada”. Em seguida, o general retorna ao seu gabinete ao lado. Dois minutos depois, um tiro seco e estridente quebra o silêncio dos oficiais, ainda “frustrados” com o seu comandante. A “carta no bolso” corre o “mundo”.
Por: Elias do Brasil / escritor e historiador, membro do Instituto de Geografia e História Militar do Brasil (IGHMB) e articulista.