No primeiro dia da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid, nesta terça-feira (4), o ex-ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, abriu a fase de depoimentos e passou sete horas e 22 minutos respondendo série de questionamentos dos senadores. O ex-ministro criticou medidas e comportamentos do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) durante a pandemia, uso da cloroquina e destacou a importância da vacinação e ciência no combate à Covid-19.
Havia decreto presidencial para alterar bula da cloroquina
O ex-ministro Mandetta afirmou que durante gestão na pasta, a ciência foi o principal critério para as tomadas de decisões e que o governo federal não quis fazer campanha nacional contra a Covid-19. Mandetta também relatou que teve acesso ao que seria decreto presidencial propondo que a Anvisa alterasse a bula da cloroquina. O decreto seria uma medida para indicar o medicamento como tratamento da covid-19, mesmo o remédio não tendo eficácia comprovada contra a doença. O então ministro destacou que teve acesso ao documento em reunião com ministros no Palácio do Planalto.
“Ele (Bolsonaro) tinha um assessoramento paralelo. Havia sobre a mesa um papel não timbrado de um decreto presidencial para que fosse sugerido naquela reunião mudar a bula da cloroquina na Anvisa para que na bula tivesse a indicação do medicamento para o coronavírus. O presidente da Anvisa disse que não. Jorge Ramos disse que era uma sugestão”, afirma Mandetta.
Compra da Cloroquina
Em depoimento, o ex-ministro disse que chegou a alertar que a compra de medicamentos para o tratamento da Covid-19 sem comprovação científica, como a cloroquina, implicaria em improbidade administrativa. O alerta foi feito em parecer da Advocacia-Geral da União (AGU) vinculada ao Ministério da Saúde.
“Esses gastos foram feitos sem passar pela incorporação da comissão técnico-científica, portanto a minha AGU colocou claramente que aquilo não seria correto do ponto de vista da probidade administrativa”
O ex-ministro explicou que o ministério não poderia comprar um medicamento e que a aquisição passaria por uma avaliação de uma comissão de incorporação técnico-científica, a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS-Conitec. A comissão não daria o aval para a compra devido os pontos analisadores serem baseados em evidência científica.
Convergências
Em relação ao comportamento de Jair Bolsonaro, Mandetta afirmou que o presidente foi alertado sobre a gravidade da pandemia, mas que o presidente não seguia recomendações devido assessoramento “paralelo” sobre medidas a serem adotadas. Mandetta também afirmou que o comportamento do presidente teve impacto no cenário da pandemia no país.
Mandetta reiterou que havia discordância entre sua gestão no Ministério e a Presidência da República. E que ao realizar proposta técnica ao presidente, houve um mal estar entre eles. “O que havia ali era um outro caminho, que ele decidiu, não sei se através de outras pessoas ou por conta própria”. E destacou que era constrangedor explicar o motivo de medidas adotadas pelo Ministério da Saúde serem contrárias ao de Bolsonaro. “Era muito constrangedor explicar porque o ministério estava indo por um caminho e o presidente por outro.”
Entre as principais discordâncias estavam o distanciamento social, medicações e uso de máscara. Segundo Mandetta, a determinação do isolamento foi feita no início da pandemia como mais “adequada” e “fundamentais”.
O ex-ministro também afirmou que Bolsonaro foi alertado das consequências de não seguir medidas indicadas pela Organização Mundial de Saúde (OMS), as recomendações da ciência, inclusive o alto número de mortes no Brasil. Para o ex-ministro, o isolamento social permitiria o preparo do Sistema Único de Saúde (SUS) a fim de receber cidadãos que dependem da rede pública de atendimento.
Em relação as medidas contra Covid-19, Mandetta criticou o tratamento precoce que deveria ser chamado de “Kit ilusão” e destacou a importância da vacina e da ciência no combate ao Covid-19 como saída da pandemia. O ex ministro destacou que o Brasil adotou medidas contra Covid-19 com atraso, “depois do leite derramado”.
Com 15 meses na pasta e dois durante a pandemia, o depoimento de Mandetta era um dos mais aguardados junto aos sucessores Nelson Teich e Eduardo Pazuello.
Pazuello tem suspeita de Covid-19, tem depoimento transferido e é criticado por senadores
Após ser fotografado sem máscara em shopping em Manaus, o ex-ministro Eduardo Pazuello, teve depoimento transferido para o dia 19 de maio, com aprovação dos integrantes da CPI. Pazuello comunicou aos senadores que teve contato recente com pessoas que contraíram Covid-19 e com isso, tinha duas sugestões: manutenção da data com depoimento virtual ou adiamento do depoimento.
A justificativa foi criticada pelos parlamentares e o presidente da CPI, o senador Omar Aziz (PSD-AM) afirmou que não irá realizar oitiva de forma virtual e vai esperar o ex-ministro para depoimento presencial. “Eu espero 14 dias, mas depoimento de Pazuello será presencial”, destaca Aziz.
O general esteve no Ministério da Saúde entre maio de 2020 e março de 2021 e teve gestão marcada por recordes no número de mortes por Covid. O roteiro de perguntas ao ex-ministro Pazuello deve abordar a crise de oxigênio e colapso da saúde em Manaus, os atrasos na aquisição de vacinas e a indicação de remédios com ineficácia comprovada no tratamento contra Covid.
Depoimento de Teich é remarcado para quarta-feira (5)
O ex-ministro Nelson Teich, que ficou apenas 29 dias no cargo, teve depoimento remarcado para quarta-feira (5). O roteiro de perguntas do relator da CPI prevê 36 perguntas, no mínimo, ao ex-ministro que deve ser questionado pelos senadores sobre negociações com farmacêuticas de vacinas.