Sempre adiei o projeto do site de opinião, debates e análise. Sempre cometi meus artigos e posts ao sabor dos acontecimentos e de minhas próprias conveniências, sempre recusei os convites de sites e blogs para uma colaboração mais regular, até aqui usava minhas próprias redes sociais e nenhuma regularidade. Não mais.
Começo a publicar com regularidade aqui n’O Primeiro Portal e logo, logo, vamos compartilhar um novo espaço para discutirmos temas econômicos, sociais e culturais, para além das obviedades.
“Pinta a tua aldeia e serás universal”, já citei Tosltoi à exaustão. Mas é o caminho, vamos falar dos temas conectando a nossa realidade e necessidade, sabendo que tudo está imbricado, a aldeia é global.
Enfim, essa dinâmica da regularidade de publicar existe desde sempre, mas é nova para mim. E desafiadora. Como escolher o melhor tema a cada semana? Por onde começar? Vamos lá
Não vou me deter no assunto que mais chamou atenção na semana que passou, no campo econômico manauara: A retirada de pauta de um projeto aprovado pelas instancias técnicas da Suframa pelo Secretário Carlos Costa. Muito se falou, muito se escreveu. Só registro a absoluta hipocrisia dos argumentos do Secretário, por uma razão muito simples: Trata-se de Bens de informática que têm praticamente os mesmos benefícios fiscais em todo o território nacional, ou seja, para ser produzido no Brasil (e é melhor que seja) fará jus aos benefícios a que o Secretário se opôs fossem concedidos aqui em Manaus. Interesses menores na decisão, sem dúvida.
Quero olhar para dois assuntos que passaram meio desapercebidos. A Decisão do Ministro Fux que mandou reincluir o aeroporto Eduardo Gomes no leilão realizado no início de abril e o discurso do Presidente Biden no Congresso Americano. O que esses assuntos têm em comum?
Já faz algum tempo que estamos falando da necessidade de diversificação da economia do estado, para além do Polo Industrial. Nesta visão, “para além” significa acrescer, não substituir. Estamos revisando o texto final de um trabalho produzido há 4 anos, com participação da Academia e Setores Produtivos, que defende exatamente que a diversificação da nossa economia se realize em dois vetores: A expansão do PIM e a inserção de atividades da economia de base regional.
Essa proposta se tornou recorrente, mas aqui e ali, a reproduzem de forma confusa e equivocada. Diversificar e incluir a economia de base regional é uma tarefa complexa e com riscos ambientais, sim. Se fácil fosse já teria sido implementada. Então ao longo do tempo vamos aprofundar esse tema, na transversalidade dos fatos do dia-a-dia.
Pois bem, a dinamização e a expansão do Eduardo Gomes são fundamentais para os dois vetores, seja para o crescimento do Polo Industrial, mas especialmente para o desenvolvimento do Turismo. Está localizado em um epicentro das capitais dos países do norte da América do Sul, a três horas menos de voo para os Estados Unidos e duas horas de voo mais próximo das capitais europeias que São Paulo ou Rio de Janeiro. O Leilão do aeroporto é o fato mais importante, para o Amazonas, neste ano. Mas façamos uma pausa para tratar do segundo assunto, já voltamos.
Apesar de não ser notado pela maioria, os sismógrafos da história registraram um tremor considerável com a fala de Biden no Congresso. De fato, esse vulcão já tinha dado sinais, mas poucos estavam acreditando. A repercussão foi enorme nos Estados Unidos, e até nas terras tupiniquins. De Paul Krugman a Miriam Leitão, até o Globo gastou tinta em um editorial criticando (acho bom prestar atenção, Joe!). Mas o que houve? Nada que não estivesse escrito na plataforma democrata, mas poucos pensaram que um velhinho de 78 anos teria tamanha ousadia. Já o comparam a Roosevelt e Eisenhower.
O que Biden propõe é o fim daquilo que de um lado, seus defensores, chamam de “Supply-side economics” (economia pela viés da oferta) e os críticos (e ele Biden) de “Trickle-down economics” (economia do gotejamento). Em resumo resumido, menos impostos para as empresas e para o capital (ricos), resultaria em maior crescimento da atividade econômica e consequentemente mais emprego e, portanto, renda para toda a sociedade. “Qualquer coisa que os impeça de cumprir esta nobre tarefa – como sindicatos que exigem salários e condições de trabalho justos, ou regulamentações ambientais, ou (o pior de tudo) tributação progressiva – é uma abominação. Os ricos lutam contra essas medidas não para seu próprio bem, mas para o bem-estar final dos servos e peões com quem eles se importam tanto.” (Paul Waldman no Washington Post de 29/04/21)
Conhecidos como Reaganomics, esses conceitos tiveram a sua defesa e implementação, de forma mais acentuada, a partir do governo de Ronald Reagan e, desde então, passaram a ser uma bandeira dos Republicanos. Os críticos chamam de gotejamento porque a ideia básica seria favorecer os mais ricos e algum acabaria “pingando”, gotejando para os mais pobres. Funcionou? O Debate não termina nunca. “O fosso entre ricos e pobres na América é obsceno”, repete Bernie Sanders à exaustão, lembrando que os 50 americanos mais ricos possuem mais riqueza que os 165 milhões de americanos mais pobres. E pagam menos impostos.
O fato é que esse modelo sofreu ajustes e voltas conforme democratas e republicanos se alternavam na Casa Branca.
Agora, Biden avança mais do que Clinton e Obama. Ele está propondo gastos sociais em uma ordem de grandeza nunca vista desde Roosevelt, depois da Grande Depressão; e investimentos em infraestrutura comparáveis ao de Eisenhower quando construiu a malha rodoviária americana no pós-guerra. Na verdade, colocou tudo sob o selo de INFRAESTRUTURA, para incluir uma infraestrutura social, a que chamou de AMERICAN FAMILY PLAN, desenhada para financiar direitos, como licença maternidade, acesso à saúde e suporte à educação básica, que apesar de comum em diversas economias avançadas, inexiste como política pública nas terras do Tio Sam e os conservadores entendem que isso é obrigação de cada um e não do Estado. Não bastassem tais medidas, e para financiá-las, Biden está retomando a tributação progressiva dos mais ricos, “três décimos de 1% dos contribuintes”, o que dá algo em torno de 600 mil americanos, em uma população de 333 milhões de pessoas.
Se Biden, um exímio conhecedor do Congresso Americano onde foi senador por décadas, vai conseguir implementar é de se verificar. Mas o fato é que o tremor foi substancial. Acostumado a decretar o fim de tudo, Francis Fukuyama falou na morte do (Neo)Liberalismo, outros já veem Biden como um comunista autoritário.
O Plano de Biden é simples, abrangente e pragmático. E essa a reflexão que devemos registrar. Esse quase octagenário não é, nunca foi um comunista, mas é um pragmático. Sabe que foi um liberalismo sem freio que causou as maiores crises dos últimos 100 anos: O Crash da Bolsa de 1929 e a Crise do Subprime de 2007/2008. E sabe que foram instrumentos Keynesianos que recuperaram a economia.
Por isso, Roosevelt também foi chamado de comunista por causa do New Deal. Em 1936, na discussão da implantação da Previdência Social americana, o Senador Thomas Gore perguntou: Mas isso é um pouco comunista, né?
E o que isso tem a ver com a decisão do Fux sobre o leilão do Eduardo Gomes? Tem porque o Eduardo Gomes tem uma história emblemática. Ao se tomar a decisão de construí-lo, em 73, Manaus tinha pouco mais de 300 mil habitantes, a Zona Franca uns 6 anos. Naquele cenário, em uma visão econômica liberal, não seria pensado, se fosse pensado, não seria proposto, se fosse proposto não sairia do papel, mas em março de 76, o General Presidente, Geisel, o inaugurou. Era o mais moderno do país, o primeiro a ter pontes de embarque. Hoje o Eduardo Gomes tem as duas maiores rotas de carga do país, e há muito se tomou a decisão de privatizá-lo. Se é um case de sucesso, privatizar porquê? Não seria danoso entregar um vultoso e rentável investimento público a iniciativa privada? Esse o ponto, o nome do jogo é Pragmatismo, o fundamentalismo não leva a nada.
Se é fato que não seria construído, se não fosse a intervenção do Estado, é fato que para sua expansão continuada, não há capital público bastante e mais importante, a iniciativa privada é mais eficaz para o exercício direto da atividade econômica. Na verdade, ao longo desses 45 anos, o Eduardo Gomes é subutilizado, especialmente considerando a sua situação geográfica privilegiadíssima, a que nos referimos.
Portanto, um alerta aos nossos legisladores, formuladores de opinião, gestores. Essa repetição mimética de loas ao liberalismo e às reformas pelas reformas, não é inteligente. Tenho um amigo, ex-diretor aposentado de empresa no PIM, que se diz um guerreiro do modelo, e ao mesmo tempo se qualifica como um intransigente defensor do liberalismo econômico. Não existe. O PIM é uma das maiores intervenções do Estado no domínio econômico, extremamente exitosa, e ainda necessária, mas é.
Minha profissão de fé, é que temos de lutar por um Estado mais eficiente, não corrupto, mas com capacidade de induzir comportamentos econômicos e estabelecer políticas públicas de oportunidades aos mais fragilizados.
O mundo está mudando, não creio que o liberalismo esteja morto, mas parece que aquele cheiro de mofo, ficou mais forte. Assim, quando estamos reabrindo a discussão da Reforma Tributária é bom não repetir mecanicamente mantras envelhecidos, sabermos usar os conceitos corretamente e não perdemos de vista o necessário pragmatismo.

Por Thomaz Nogueira
Ex-Secretário da Receita, Ex-Secretário de Planejamento do Amazonas e ex-Superintendente da Suframa. Atual Avô e Consultor Tributário.
LEIA MAIS
Paul Krugman in https://twitter.com/paulkrugman/status/1388180568421044225
Paul Waldman https://www.washingtonpost.com/opinions/2021/04/29/sorry-president-biden-gops-zombie-economic-ideas-will-never-die/
Editorial de O Globo https://blogs.oglobo.globo.com/opiniao/post/consequencias-do-intervencionismo-trilionario-preconizado-por-joe-biden.html
Monica de Bolle https://epoca.globo.com/monica-de-bolle/o-plano-biden-1-24973067
Muito bom, Thomaz. Estava na hora de alguém falar sobre a utilidade desse aeroporto do Amazonas, sua relação e importância para a região e adjacências e políticas econômicas. Talvez, com a medida adotada, consigam enxergar o quão importante economicamente ainda poderia ser, ao mesmo tempo em que as medidas devem gerar maiores demandas para o Amazonas.
Outro ponto a ser considerado seria o cuidado do governo em identificar setores econômicos reprimidos e ou subutilizados, como títulos baratos e revitalizando em favor de “terceiros” a preços de banana.
Valeu meu amigo. Espero que fale mais sobre essas questões que envolvem especialmente nossa economia e possiveis oportunidades para o Amazonas, coisas em que você se tornou verdadeira autoridade.
Abraços.
Edmilson