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Fora dos stories, você está bem? Por que é perigoso esconder a tristeza

mas cresceram com tudo isso, assim como toda a família”, diz ela, que fundou em outubro a comunidade Anjo Rosa, para ajudar pessoas em tratamento do câncer de mama.

A tristeza é um sentimento incômodo, mas isso é importante para ativar o foco da pessoa, afirma o psiquiatra Daniel Martins de Barros, autor do livro O Lado Bom do Lado Ruim. “Se a tristeza fosse agradável, não serviria de alarme para nós”, diz. Segundo Barros, o sentimento de tristeza vem quando temos a noção de que perdemos algo, o que nos leva a uma baixa de energia, com uma postura de não-enfrentamento. “Uma das funções da expressão das emoções é modular o comportamento do outro, que tende a interromper uma agressão ao perceber a expressão de tristeza e dor”, explica.

O luto, que é a expressão máxima da tristeza humana, funciona como um amargo remédio para elaborar uma perda, afirma o psiquiatra. “É preciso viver a dor de reconhecer que as chances acabaram. É o único caminho para conseguir seguir em frente”, diz Barros.

Quem não se permite vivenciar o luto não se liberta, afirma a psicóloga e psicanalista Beatriz Breves, autora de diversos livros sobre a “ciência do sentir”. “Há pessoas que caem no luto patológico e passam 20 anos de sofrimento, apegadas, com roupas e outras coisas da pessoa que se foi”, diz.

Saber reconhecer e nomear os sentimentos é fundamental – e eles aparecem como uma “salada de frutas”, já que não andam sozinhos, segundo a psicóloga. “A tristeza sempre vem acompanhada de outros sentimentos como angústia, esperança”, diz. Para Beatriz, diante da complexidade de sentimentos, é preciso escutá-los para que seja possível digeri-los. A psicóloga explica que não é possível frear um sentimento. “A tristeza pode ser reprimida, mas sob o risco de ativar uma depressão”, alerta.

Assim como é importante aceitar e gerenciar a própria tristeza, é preciso acolher a dor alheia, em vez de tentar abafá-la. “Tem quem diga para as crianças engolirem o choro e não ficarem tristes. Isso é muito ruim”, afirma a psicóloga Beatriz. Ao perceber que alguém está triste, a melhor atitude é oferecer a escuta. “Seja empático e não simpático. O simpático tenta apagar a dor, o empático entende que alguém está passando por uma dor e se oferece de suporte”, diferencia.

Empatia

que vivemos como obcecada pela positividade. “A dor, frustração, vulnerabilidade são ocultas, como se houvesse um filtro igual o das redes sociais, que esconde os traços humanos de imperfeição”, diz.

Na visão de Krauss, esse é um sintoma da chamada “sociedade do cansaço” definida pelo filósofo coreano Byung-Chul Han, na qual as pessoas são ao mesmo tempo escravas e algozes de si próprias, na busca incessante por desempenho e produtividade. “É o imperativo do ‘sim’, em que o próprio indivíduo se sente culpado ou fracassado caso se sinta cansado ou triste, pois internalizou a cobrança. Todas as pessoas estão numa corrida inalcançável, seja no trabalho, em casa, no restaurante ou na academia”, descreve.

Agridoce

A indústria cultural, seguindo a lógica de mercado, também segue esse padrão, fazendo adaptações para trazer novos produtos de forma rápida, observa o filósofo. Tem um papel diferente da arte, que sempre foi importante para ajudar as pessoas a refletirem e ampliarem seus horizontes. “As músicas mais tocadas hoje sobre ‘sofrência’, por exemplo, não encaram a dor como deve ser encarada. Elas falam da tristeza de forma rasa, como um entretenimento esvaziado de sentido”, diz Krauss.

Por milhares de anos, artistas e pensadores exploraram o poder do “agridoce”, que mescla os estados de saudade, pungência e tristeza, mas a cultura contemporânea é curiosamente silenciosa sobre isso, afirma a escritora norte-americana Susan Cain, que lançou em setembro no Brasil o livro O Lado Doce da Melancolia. “É hora de reviver essa tradição. A tristeza e a saudade têm o poder de nos tornar inteiros. São nossas lágrimas, não nossas risadas, que nos levam a um mundo melhor e mais conectado”, diz. Susan explica que o estado agridoce traz uma alegria penetrante com a beleza do mundo por reconhecer a luz e a escuridão, o nascimento e a morte, o amargo e o doce.

Famosa por seu livro O Poder dos Quietos, que entrou na lista dos mais vendidos do jornal norte-americano The New York Times, Susan Cain conta que resolveu escrever o seu último livro porque queria entender o paradoxo de como uma música triste pode nos deixar felizes e como era possível sentir as duas emoções ao mesmo tempo. “Eu era obcecada por músicas tristes e em tons menores. Hallelujah de Leonard Cohen foi como meu hino pessoal”, conta. Para desenvolver a sua obra, Susan mergulhou no tema por cinco anos. E sua mais importante conclusão foi que esse estado mental “agridoce” é uma porta de entrada para a criatividade, conexão e transcendência.

É assim para a escritora Liana Ferraz, autora do livro de poesias Sede de me Beber Inteira. “Eu acho a tristeza tão misteriosa, tão introspectiva, tão…humana! E, por não ser o tema da nossa época, me sinto muito convidada a falar sobre”, diz. Ao se deparar com este sentimento, Liana não faz esforço para que ele suma. “Como tenho a criatividade como bússola, sei que estou diante de algo pulsante quando, ao olhar para a tristeza, quero dissecá-la e fazer composição com ela”, diz.

Liana afirma que adora ser escritora por ser obrigada a olhar para todas as emoções, mas deixa claro que não devemos nos entregar à tristeza incapacitante. “Se o processo é patológico, nada brilha aos olhos.”

Foi a partir de uma tristeza profunda que Liana se descobriu “artista das palavras”. Ela conta que queria ser atriz, o que era um segredo, mas teve uma doença que a impossibilitou temporariamente de andar e minou o seu sonho. “Ficava achando palavras para a dor física, para a frustração de não estar na escola, para o sentimento de não pertencer ao meu grupo de amigos.” Percebeu, então, que se não fosse atriz poderia escrever e ser, ainda assim, artista. “No meio dessa dor imensa, descobri que poderia ‘andar’ com as palavras”, diz Liana, que superou a doença, se formou atriz – mas escolheu trabalhar como escritora.

*Estadão Conteúdos

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