“Além da queda, o coice.” É o ditado que um amigo usa para aquelas situações ruins que, de repente, ficam piores.
Pois é. O Amazonas ainda vive a confusão e a incerteza causada pelo decreto do Bolsonaro que alterou as alíquotas do IPI. A angústia permanece, pois apesar da promessa de que seria corrigido, até agora nada foi feito. Promessas públicas e privadas foram feitas ao Governador, à bancada, aos bobos da corte, à torcida do Flamengo, e nada. Os danos seguem.
Mas como naqueles comerciais da TV, a gente ouve aquela voz que diz: “Mas não é só isso.”
O Governo Federal continua mexendo nas alíquotas dos impostos regulatórios, agora reduzindo o Imposto de Importação para facilitar a vida do produto importado, fazendo isso de forma atabalhoada, destruindo empregos no país. Mas esse ponto a gente analisa em separado, porque uma confusão se não mais alta, mas mais imediata, se alevanta.
É a notícia que em SP agora se decidiu que os incentivos do ICMS para as indústrias do Polo Industrial não valem. Não está sabendo?
A síntese é a estória daquela Vó que vendo seu neto desfilar no 7 de setembro falou: “Está todo mundo marchando errado, só meu neto está certo”. Vamos por partes.
Resumo objetivo. O Tribunal de Impostos e Taxas (TIT), órgão da Sefaz paulista que julga as autuações fiscais do órgão, decidiu que uma lei de 1975, que disciplina a forma de concessão de benefícios fiscais do ICMS, e traz uma regra específica para as Indústrias da Zona Franca de Manaus, NÃO foi “recebida” pela Constituição de 1988, e, portanto, NÃO vale mais.
Eles nem perceberam que já se passaram 33 anos, e que essa lei é observada e cumprida em TODAS as vendas saídas de Manaus no período. Eles sequer notaram que TODOS OS DEMAIS ESTADOS entendem diferente e cumprem essa lei. Eles também não perceberam que os Tribunais Superiores, inclusive o STF, já analisaram o tema e disseram que a Lei foi, sim, incorporada ao mundo jurídico, pós 1988. Mas o que importa isso?
Diz a nota da Sefaz-SP que o TIT decidiu “pelo cancelamento de créditos de ICMS de contribuintes paulistas que adquirirem produtos advindos da Zona Franca de Manaus contemplados por benefícios fiscais concedidos sem suporte normativo em Convênio do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz).
A decisão do TIT atinge 47 processos em trâmite no contencioso administrativo paulista, cujo débito exigido originalmente pelos lançamentos em autos de infração supera a casa dos R$ 2 bilhões.”
R$ 2 bilhões? Isso nestes 47 processos, mas agora o fisco paulista pode cobrar de todas as demais empresas que compraram das indústrias do Polo Industrial de Manaus, nos últimos 5 anos. Em minha conta de padeiro (desculpem aí os profissionais da panificação) vai para muito, muito mais bilhões.
A gente já vê o que diz a lei, mas o importante é notar que isso impacta o dia-a-dia, HOJE. Aumenta a incerteza e a confusão no campo operacional. Se fosse correta impactaria a competividade das indústrias, por retirar todo o incentivo do ICMS, mas todo mundo que tem juízo sabe que não se sustenta. Mas isto precisa ser demonstrado imediatamente.
É uma confusão para quem vende (as indústrias em Manaus) e para quem compra (Varejo e indústrias em SP). Não apenas o passivo que se cria instantaneamente pelas operações dos últimos 5 anos, mas como fica a operação neste exato instante? Só “Madame Márucia, vindo diretamente de Faro, no Pará” pode responder.
Aí você, que acompanhou até aqui, pensa: Até agora ainda não vi e não sei, por que a decisão está errada. É o passo seguinte.
Vamos lá. Como o ICMS (como o antigo ICM) é um imposto estadual, é necessário Lei Complementar à Constituição para disciplinar forma que os Estados poderiam conceder benefícios fiscais, porque a concessão de benefícios impacta além das fronteiras do próprio estado que concede. É o que faz a LC 24/75(Se quer conhecer o texto integral da lei clique aqui)
A regra geral mais relevante dessa lei é a do art. 2º. § 2º. que estabelece a necessidade da unanimidade:
“§ 2º – A concessão de benefícios dependerá sempre de decisão unânime dos Estados representados; a sua revogação total ou parcial dependerá de aprovação de quatro quintos, pelo menos, dos representantes presentes.”
Ou seja, para conceder benefícios fiscais os Estados precisam da concordância de todos os demais. Um amigo leigo perguntou: Então São Paulo ao discordar, anula os benefícios do Amazonas? Não se trata disso.
Acontece que tem uma regra especial, diferenciada, especifica para o setor industrial da Zona Franca. Leia com atenção:
Art. 15 – O disposto nesta Lei não se aplica às indústrias instaladas ou que vierem a instalar-se na Zona Franca de Manaus, sendo vedado às demais Unidades da Federação determinar a exclusão de incentivo fiscal, prêmio ou estimulo concedido pelo Estado do Amazonas.
A regra é cristalina, o Galvão Bueno não precisa chamar o Arnaldo. Mas é válida? Acompanha um instante.
Primeiro, essa lei que continua a reger a concessão de incentivos. Durante anos, alguns Estados ao não conseguirem aprovação no Confaz concederam incentivos irregularmente, foi o que se convencionou chamar Guerra Fiscal, pela ilegalidade.
Foi a vigência dessa lei e a sua desobediência que caracterizou a Guerra Fiscal. Se não estivesse em vigor, não haveria ilegalidade. Tanto é verdade, que para superar essa situação de ilegalidade foi editada a Lei Complementar 160/17, exatamente para suspender a regra de unanimidade da LC 24/75 e permitir que por maioria de 2/3 os Estados CONVALIDASSEM os incentivos concedidos ilegalmente no passado e estabelecendo regras para evitar repetir os erros no futuro.
Para que não paire dúvida, veja o que diz a mais nova Lei Complementar, a LC 192/22, agora de 11 de março, que trata da tributação de combustíveis. É o § 2º. do art. 5º.
§ 2º Os incentivos fiscais sobre as operações com os combustíveis referidos no art. 2º desta Lei Complementar, inclusive aquelas não tributadas ou isentas do imposto, serão concedidos nos termos da Lei Complementar nº 24, de 7 de janeiro de 1975, obedecidos os demais ditames constitucionais e legais.
Há dúvidas? Ok, é formalmente válida, mas é justa? Um dos votos, no julgamento, traz a manifestação da Ministra Rosa Weber sobre essa excepcionalidade:
Trata-se, a instituição da ZFM, repito, de uma opção legítima do Constituinte originário, que entendeu por bem, ao delinear os contornos da República Federativa do Brasil, nela inserir um espaço peculiar, uma verdadeira fissura, por assim dizer, na estrutura de outro modo simétrica da Federação.
Resumo da Ópera: A lei é válida, portanto, está em vigor. O julgamento precisa ser anulado. A maior questão é exatamente essa barafunda jurídica que se cria, isso é péssimo para a economia, para o planejamento, para os empregos.
Repito, todos confiam que essa decisão cai, mas depende de uma ação jurídica imediata do Amazonas. Pois tal qual o decreto do Bolsonaro (“que vai ser modificado”), a decisão está em vigor. O Governo do Estado tem que dar uma pronta resposta.
Um último ponto. Eu não darei meu voto ao Dória, mas ele entra nessa estória que nem Pilatos no Credo. Colocar isso na conta dele, não é correto. Foi uma decisão autônoma de um órgão julgador paritário (igual número de representantes do fisco e dos contribuintes). No Amazonas, o Secretário de Fazenda pode avocar, “chamar para si a decisão”, e modificá-la. Não vi essa hipótese na lei paulista.
Mas é preciso ter claro o senso de urgência, urgentíssima.
Links
- NOTA DA SEFAZ – SP https://portal.fazenda.sp.gov.br/Noticias/Paginas/Em-sess%C3%A3o-tem%C3%A1tica,-TIT-mant%C3%A9m-autua%C3%A7%C3%B5es-relativas-a-compras-na-Zona-Franca-de-Manaus.aspx
- LC 24/75 – https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp24.htm
- LC 160/17 – https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/LCP/Lcp160.htm
- LC 192/22 – https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/LCP/Lcp192.htm
Muito bom artigo. Thomaz Nogueira, Até eu que não entendo nada de economia, li tudo e entendi, graças às imagens e exemplos usados. Parabéns