Reportagem divulgada no último sábado (8) pelo jornal O Globo e assinada pela jornalista Cleide Carvalho, revela que o rio Uarini, afluente do Solimões, na região de Tefé, está em ponto crítico de descida das águas, com extensas faixas de areia e a navegação cada vez mais difícil. Tanto que um dos pesquisadores relatou que andou “mais de dois quilômetros” entre o município de Uarini e Fonte Boa, pelo leito do rio Uarini, porque as viagens de barco foram suspensas. Veja a reportagem:
Chuva a menos
“Alcançado pelo arco do desmatamento, o Amazonas enfrenta redução no volume de chuvas este ano. Na região de Tefé, afluentes do Rio Solimões apresentam extensas faixas de areia, dificultando a passagem de embarcações. Dados do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) mostram que o estado teve o menor volume de chuvas dos últimos 15 anos de janeiro a abril (989,4 mm), período mais chuvoso na região. Nos meses mais secos, de julho a setembro, a chuva acumulada foi a menor em 20 anos.
No mês passado, oito das 10 estações convencionais do Inmet no Amazonas registraram volumes até 90% abaixo das médias climatológicas. Em Manaus, as temperaturas chegaram a 38,3°C em setembro, o que significa 4ºC acima da média esperada para o mês. O município de Lábrea, no sul do Amazonas, um dos mais afetados por desmatamento, chegou a registrar 38,6ºC, a temperatura mais elevada do estado”.
La Niña
“Segundo Andrea Ramos, meteorologista do Inmet, o fenômeno La Niña altera o regime de chuvas pelo terceiro ano consecutivo, mas a Amazônia enfrenta, assim como o resto do mundo, o fenômeno dos extremos, com secas mais longas e chuvas de um dia que equivalem à quantidade de um mês. “Na Amazônia não há estações bem definidas, mas o período chuvoso reflete em todos os demais meses do ano. Se chove menos no início do ano, no período mais seco a situação piora”, afirma Andrea. Em Tefé, choveu em setembro apenas 45% da média registrada para o mês.
Andando pelo leito do rio
O pesquisador Marcílio Medeiros, da Fiocruz Amazônia, que desenvolve um projeto de saneamento ambiental na área, conta que teve de andar por 2 km no leito do Rio Uarini, um dos afluentes do Rio Solimões, para alcançar comunidades do município de mesmo nome. Não conseguiu chegar na cidade de Fonte Boa, pois as embarcações suspenderam o transporte devido à seca. “Os ribeirinhos relatam que esta é uma das piores secas dos últimos anos”conta Medeiros.

Seca dificulta tudo
Na região do Médio Solimões, onde fica Tefé, a seca que afeta os rios desacelera chegada de remédios e suprimentos, dificultando a vida das comunidades ribeirinhas.
Henrique Barbosa, professor do Instituto de Física da USP e da Universidade de Maryland, nos Estados Unidos, lembra que nos últimos 20 anos ocorreram quatro grandes secas na Amazônia, quando o padrão deveria ser de uma em 100 anos. A Amazônia registrou secas extremas em 2005 e 2010, a maior em mais de 100 anos (desde 1902). O problema se repetiu em 2015 e 2016.

Rios voadores
Barbosa é coorientador de um estudo com pesquisadores internacionais que mostra um efeito cascata dentro da própria Amazônia, decorrente de secas esperadas em função da mudança climática. Mesmo que a seca atinja apenas uma determinada área, ela vai impactar outras que não foram afetadas diretamente. Os cálculos têm como base o transporte de umidade na atmosfera, popularmente conhecido como “rios voadores”.
“A cada três árvores que morrem no Leste da Amazônia, uma quarta morrerá no Sudoeste e Oeste da região. O aporte de umidade levado pelos ventos, que sopram do oceano em direção aos Andes, será 25% menor, o que faz que essa quarta árvore receba menos água”, prevê Marina Hirota, professora da Universidade Federal de Santa Catarina, coautora do estudo com apoio do Instituto Serrapilheira.
“À medida que removemos a floresta, tiramos água desse rio voador e ele vai contribuir menos para a chuva em outras regiões, inclusive com o regime de chuvas no Sul e Sudeste do Brasil”, diz o professor Barbosa. O estudo indica que o Sul do Amazonas, nova fronteira de desmatamento, será uma das áreas mais afetadas pela redução da umidade levada pelos rios voadores.
* O Globo