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‘Sala de Games’: Crysis e a busca pelo realismo

É IGUAL À VIDA REAL!

O ano de 2001 foi um momento emblemático. Bom, para várias pessoas foi um ano emblemático por vários motivos. Pode ter sido o ano em que você nasceu, o ano em que a sua criança nasceu ou o ano em que você viu, em tempo real, um evento sem precedentes cuja repercussão afeta o mundo até a data deste presente texto.

Mas, para os videogames, foi o ano que delimitou como a indústria dos jogos passaria a ser ao longo das próximas décadas. A SEGA, criadora do mundialmente e indiscutivelmente conhecido Panzer Dragoon (e do Sonic), saiu do mercado dos consoles, descontinuando o Dreamcast e solidificando a tríade das empresas donas das principais plataformas da mídia.

A Sony reinava absoluta com seu Playstation 2, a Nintendo lançava seu poderoso Gamecube e a Microsoft entrava no mercado com o primeiro Xbox. Contudo, mais do que a inovação de uma determinada empresa, foi o poderio presente nos três consoles que permitiu aos jogos como um todo a possibilidade de alcançar uma ambição que sempre esteve presente.

O fotorrealismo estava ao alcance. Não mais os gráficos de um jogo meramente remeteriam a algo, eles seriam esse algo. As pessoas pareceriam pessoas, as suas bocas poderiam se mexer e em suas mãos haveria dedos. Finalmente, o quão realista um jogo poderia ser não estava mais (tão) limitado pelo poderio gráfico, apenas pala criatividade das pessoas que o desenvolveriam… Além de dinheiro e tempo.

Dois jogos representam bem essa busca pela realidade, ambos trouxeram avanços tanto para o que queriam apresentar, como perante seus respectivos antecessores.

Metal Gear Solid 2 é um jogo excelente, seja pela sua jogabilidade ou pela sua história, a qual se mostra absurdamente atual. Porém, um dos seus trunfos para a época era o quão linda e interativa a ambientação conseguia ser.

Algo que estava presente em quase todos os materiais promocionais era um pequeno e ignorável bar, o qual não acrescentava muita coisa para o grande esquema da obra, mas todas as garrafas de bebidas no balcão eram delicadamente modeladas e totalmente destrutíveis. Havia uma incrível trama de conspiração internacional por baixo dos panos, mas o futuro estava nas garrafas quebráveis.

Enquanto MGS 2 apresentava navios cargueiros e estações de limpeza com uma qualidade invejável, GTA III trazia cidades. Ainda que não tivesse um nível de detalhamento incrível nas pequenas coisas, o terceiro jogo da icônica franquia de mundo aberto, a qual apresentadores sensacionalistas ainda juram que irá acabar com a infância, almejava uma maior escala.

O primeiro jogo da franquia a ter gráficos em 3D nos deixava livres em uma cidade para fazermos o que quiséssemos, claro, contato que “o que quiséssemos” fosse relacionado à violência.

Ambos os jogos marcaram o início de uma era na qual a ambição por ambientes reais não ficava unicamente na imaginação, já podendo ser vista e jogada, ainda que de maneira imperfeita. Porém o jogo responsável por representar o desejo da mídia pelo realismo ainda iria chegar.

MAS RODA CRYSIS?

Caso você estivesse remotamente interessado em computadores – mais precisamente, jogos para computador – em 2007, tinha um questionamento que, acima de qualquer outro, era determinante para verificar o poder de uma máquina: “Ela roda Crysis?”

Lançado em 2007 e desenvolvido pela Crytek, empresa esta cujo nome claramente foi escolhido de uma lista escrita por vilões de histórias em quadrinhos, Crysis é um jogo de tiro em primeira pessoa ambientado em uma ilha paradisíaca, no qual o protagonista utiliza uma armadura especial capaz de deixá-lo invisível, resistente a danos, superforte ou super-rápido.

O jogo foi exaltado pela forma de jogar envolvente, permitindo a quem estivesse jogando fazer uso da criatividade tanto quanto do arsenal. Com inimigos (norte coreanos) espertos e letais, as melhores estratégias fazem uso de furtividade e combate em iguais medidas. Para todos os efeitos, é, até hoje, o melhor simulador do personagem “O Predador” que existe.

Ainda que fosse mais do que só um rostinho bonito, era absolutamente inegável o quão bonito era esse rosto. Com paisagens incrivelmente realistas e responsivas – as árvores quebrando e folhas reagindo à sua passagem pareciam ter vindo do futuro – a obra foi um marco na busca pelo real por meio do digital.

Uma máquina conseguir rodar o jogo em uma qualidade minimamente aceitável era, por si só, um mérito. Agora, reproduzir as belíssimas paisagens em suas maiores configurações era uma prova de poderio computacional e entusiasmo pela tecnologia.

Tanto é que Crysis foi intencionalmente feito para o futuro. Para rodar as maiores configurações em alta resolução era necessário um computador fora de quase tudo que o mercado convencional podia ofertar. E essa era a intenção.

A Crytek almejou criar algo que apenas com a passagem do tempo poderia mostrar sua melhor aparência em uma performance aceitável. Comicamente, esse futuro não veio. Pelo menos, não como imaginado.

Evitando entrar em detalhes técnicos demais, a empresa imaginou que os processadores (Uma das partes centrais de computadores, celulares e videogames) iriam evoluir de uma forma que não ocorreu. O resultado foi que, durante bem mais tempo do que o planejado, Crysis foi um jogo bem pesado de rodar no máximo.

Todavia, o tempo e a tecnologia inevitavelmente vão para frente. Pode não ter ocorrido da maneira imaginada, mas os computadores e os videogames evoluíram. Assim como também evoluiu o que é considerado “real”.

REALISMO ULTRAPASSADO

Inevitavelmente, o tempo passa. Os jogos que foram o ápice da tecnologia em 2001 podem – dependendo de quem você perguntar – ser considerados retrô. Não importa o quão atual algo seja, uma hora será ultrapassado. E o mesmo acontece com os jogos.

O próprio Crysis precisou ser graficamente atualizado em 2020, com soluções tecnológicas que permitem, entre tantos outros termos complicados, melhorar a iluminação do mundo do jogo. Aquela pergunta de 2007, a qual unicamente recebia uma resposta positiva se estivesse sido direcionada a um dos melhores computadores que o dinheiro podia pagar, hoje possui outra resposta.

“E aí, roda Crysis?” Sim, todos os consoles existentes no mercado podem rodar Crysis, até mesmo o Nintendo Switch. Agora, o ápice da tecnologia pode ser jogado até mesmo enquanto você estiver no banheiro.

Essa é uma expressão interessante, “o ápice da tecnologia”. Nada é o ápice da tecnologia por muito tempo. Claro, uma obra tecnologicamente vanguardista vai se manter no topo durante um momento, mas, inevitavelmente, o marco do que considerado “de última geração” será empurrado para frente.

Há uma beleza nisso. A ideia de que cada novo jogo, cada inovação gráfica, é apenas mais um suporte, que irá sustentar futuras invenções e criações que, felizmente, estão muito além do que podemos imaginar. O início de um jogo não é só uma experiência imediatamente encantadora, mas também é um exercício de nossa imaginação sobre o que virá no futuro.

Mas então, fica o questionamento. O que ocorre com os jogos que foram os mais realistas e não mais o são?

TÃO REALISTA QUANTO PRECISA SER

Nós vivemos um momento sem precedentes na indústria dos jogos. Nunca foi tão fácil manter o passado vivo e jogar obras lançadas anos (ou até décadas) atrás. Jogos “antigos” estão sendo refeitos, remasterizados ou simplesmente passaram a ser acessíveis pela retrocompatibilidade, a qual é capacidade de um videogame rodar jogos de gerações anteriores.

E com isso você pode, muito depois de uma obra ser considerada nova, experimentar o que foi, pelo menos por um tempo – talvez até antes de você nascer -, a última palavra em inovação gráfica.

Porém, nem sempre o que se tornou ultrapassado virou sinônimo de feio. Após todos esses anos, Crysis encanta. Claro, muitos jogos já trouxeram versões atualizadas de tecnologias que a obra seminal da Crytek criou, porém ela ainda sabe usá-las como ninguém. Além de ser um jogo excelente como poucos conseguem ser.

Diversas obras envelhecem como um bom vinho, graças a escolhas artísticas inteligentes e jogabilidade atemporal. Um exemplo disso é a versão atualizada de GTA III, a qual será lançada em poucos dias, a contar da data de publicação desse texto. Em vez de almejar o máximo de realismo possível como a original fez, ela usará o visual atualmente arcaico como base de uma repaginação no estilo cartum, criando uma identidade visual atemporal.

Por mais que o tempo passe, há alguns jogos que serão para sempre belos. Não por causa de uma quantidade inimaginável de polígonos ou coisa parecida, mas porque eles sabiam como trabalhar da melhor forma com o que tinham. E foi o que aconteceu com Crysis.

Os cenários do jogo possuem uma década e meia de idade, e haverá um dia que terão 100 anos, mas o carinho e cuidado que esteve presente na confecção deles é capaz de te fazer se sentir em 2007, como uma pessoa encantada pelo fato de que sim, de alguma forma, você conseguiu rodar Crysis.

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