O horror é um gênero esquisito, não é? Digo, é perfeitamente compreensível você querer assistir algo de comédia, pois rir é bom e Deus sabe que estamos precisando de um pouco de alegria.
Com o romance, nem se discute, os seres humanos – e principalmente os leitores do primeiro portal – são seres românticos. Mas quantas vezes você despertou e disse: “Nossa, que dia glorioso! Perfeito para adentrar e sucumbir nas mazelas que residem nas profundezas sombrias da alma humana!”?
Então, por que somos atraídos ao horror? Primeiramente, pois permite boas histórias. A flexibilidade que uma escritora possui para contar a trama que deseja, da maneira mais sombria, pesada ou melancólica que for, é muito maior no momento em que artista e a pessoa que irá interagir com a arte estão cientes que a obra será “mais pesada”.
O segundo ponto é mais pessoal, pois permita que você reflita de uma maneira e seja levada para lugares que nenhum outro estilo artístico permite. Ao ver um personagem falhar em lidar com uma situação indescritível e sucumbir à loucura, somos inevitavelmente convidados a pensar “e se fosse comigo?” e a olhar para nosso redor de formas diferentes.
E como os jogos entram nessa história?
Simples, pela pessoalidade e pelas muitas formas de interatividade.
Você passa a ser o responsável por dar o próximo passo, você terá de superar os desafios sombrios e, mais importante, seja lá qual for o mal sendo enfrentado, quando ele persegue a personagem, ele está perseguindo você.
Todas essas (e muitas outras) qualidades fazem dos videogames um meio único de se experimentar contos de horror, pois aqui é mais íntimo e pessoal. Isso sem contar das diversas formas de se apresentar esse horror.
Desde que os jogos de terror vieram a existir, seja gráficos arcaicos e por meio de aventuras em texto, o gênero foi sempre apresentado de maneiras diferentes. Na atualidade, com o surreal poderio computacional presente em consoles que você pode muito bem levar para o banheiro, a forma de representar contos macabros é, agora, limitada unicamente pela criatividade e suporte financeiro.
AS MUITAS FACES DO MEDO

Temos casos em que a temática é apenas uma escolha artística – um pano de fundo – para um estilo completamente diferente.
Na franquia de jogos de tiro em primeira pessoa Painkiller, mesmo com elenco invejável de seres sombrios, a coisa mais assustadora e letal é você. Preso entre céu e inferno, nosso protagonista atira e salta por uma série de fases totalmente desconexas, mas que são uma seleção das locações mais famosas do gênero. Tudo isso com uma trilha sonora que intercala entre metal pesado e melodias melancólicas.
Na outra ponta do espectro, popularizada pelo famigerado Slender: eight pages, ocorreu a ascensão dos jogos que o colocam como alguém completamente indefeso. Claro, obras assim antecedem bastante o jogo hit, a exemplo do clássico Clock Tower.
Um destaque para jogos nesse estilo merece ser dado à saga Outlast. Nela, os azarados protagonistas se encontram em situações horrendas e possuem como única ferramenta uma câmera equipada com visão noturna e baterias que, honestamente, acabam sempre rápido demais.
Porém, não pode ser ignorado que, entre os dois extremos, existe a franquia que solidificou no imaginário popular o gênero de Survivor horror: Resident Evil. Mas em vez de englobar a gigantesca saga completa, vamos focar naqueles que gosto de chamar de Elegantes.
Por mais que não seja tão sexy chamá-los assim, esses jogos são praticamente obras de quebra-cabeça e de administração de recursos. A sua mente estará sempre focada na quantidade de munição que possui e o quanto pode desperdiçar em um monstro; qual seria o percurso mais rápido e seguro e quais itens devem ir ao seu inventário e quais terão de ficar para trás.
Vale ressaltar que Resident Evil não é a única saga com esta estrutura. A saudosa Silent Hill também segue o mesmo caminho, mas deixa de lado conspirações e ficção científica para dar lugar ao abstrato e o emocional.
Um curioso representante do medo nos jogos é o Horror militar. Em Spec-Ops: The Line, temos todos os elementos de um jogo de guerra genérico: um esquadrão de militares, armamento variado e combate baseado em cobertura. Porém a obra utiliza todos esses elementos – e uma incrível Dubai pós-apocalíptica – para contar uma história sombria que merece estar lado a lado com Apocalypse Now.
E ainda que a tecnologia e realismo avancem, sempre haverá lugar para recordar os tempos passados. Há um forte saudosismo pelo estilo visual dos jogos de terror da época do Playstation 1 e poucas obras fazem o desses gráficos como aquelas distribuídas pela Puppet Combo.
Com títulos com nomes incríveis como BABYSITTER BLOODBATH, MURDER HOUSE e BLOODWASH, os quais insistem em serem escritos em capslock, os jogos adotam uma aparência e forma de jogar que os fazem parecer como se fossem obras esquecidas, lançadas ao longo da década de 90 e redescobertas na era atual da internet.
Por fim, gostaria de abordar o que chamo de “horror peculiar”. Eu serei o primeiro a admitir que não é uma definição ideal, pois ela tenta englobar uma grande quantidade de coisas diferentes.
Há o icônico Poney Island, uma obra não ortodoxa sobre controlar pôneis e interagir com uma interface bizarra que, obviamente, guarda muitos segredos. Ou então podemos ver a excelente visual novel Doki Doki Literature Club, que mais do que “ohhh, o jogo fofinho na verdade é sombrio”, carrega uma excelente trama com um ótimo drama pessoal.
HORROR DIGITAL

Acredito que tenha deixado claro que existem tantas maneiras de se fazer um jogo de terror quanto… Bem, de se fazer qualquer tipo de jogo. Desde aventuras focadas na ação e combate até mesmo gêneros que, em um primeiro momento, não se esperaria adotar um tom sombrio.
As possibilidades trazidas pelos videogames permitem que uma obra feita atualmente não seja limitada pelas tendências modernas. Finalmente e felizmente, o horror pode ocorrer do jeito que quiser e representar a época que quiser.
Mas na minha humilde opinião, o maior trunfo trazido pelos tempos modernos está na multitude de visões e opiniões que agora podem ser partilhadas. Não mais o mundo está à mercê de criações oriundas das mesmas empresas do Japão ou dos Estados Unidos, agora, diversas nacionalidades e desenvolvedores menores podem criar e distribuir suas versões dos contos que partilhamos em noites particularmente sombrias.
Espero que esse curto texto tenha ajudado a esclarecer o porquê de jogos serem tão talentosos em representar o horror. Ainda que eu tente fazer uma sugestão do motivo, não há uma resposta única e absoluta para essa questão, mas o fato deles conseguirem criar uma experiência intrigante e assustadora de forma íntima e sermos naturalmente atraídos por nossa curiosidade para aquilo que é intrigante e assustador – como uma cena aterrorizante que não conseguimos evitar de ver – talvez seja parte da razão.
Afinal, o horror é um gênero esquisito, não é?
Pois bem, jogos também são. Foram feitos um para o outro.
